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De
vez em quando aparecem na imprensa e na Internet notícias sobre categorias de
trabalhadores apelando para a inclusão no seu salário do adicional de
insalubridade: são garis, garçons, serventes, faxineiras, padeiros,
cozinheiras, merendeiras, operadores de telemarketing, ou seja, o adicional de
insalubridade virou muito mais um paradigma nacional de gratificação salarial
do que de compensação por um trabalho sob condições expostas a um agente nocivo
e sob determinadas condições de exposição. O assunto saiu dos ambientes
industriais, entrou pelo comércio, serviços e acabou no serviço público, sem
que se veja nenhum demérito nessas atividades, é bom afirmar logo.
O
assunto volta a dominar os debates na área de SST, desde quando recentemente o Ministério
do Trabalho colocou em Consulta Pública, até o dia 29 de outubro, o texto
técnico básico de revisão da Norma Regulamentadora Nº 15 que trata sobre
atividades operacionais insalubres. O objetivo da norma é definir diretrizes e
critérios para a caracterização e controle dos riscos para prevenir danos ou
agravos à saúde dos trabalhadores.
E
agora, no dia 26/09/12, um deputado apresentou um projeto de Lei determinando
que Trabalhadores que vivem de atividades ligadas aos serviços de limpeza,
asseio e conservação e de coleta de lixo podem ganhar um adicional de
insalubridade.
Ao
mesmo tempo em que multiplicam-se essas reivindicações a Justiça do Trabalho
ajuda a difundir e consolidar essa mentalidade, emitindo jurisprudência
concedendo adicional de insalubridade em diversas reclamações trabalhistas. Por
exemplo, o TST reconheceu o direito ao adicional de insalubridade em grau
máximo para uma trabalhadora que fazia limpeza de banheiros em estabelecimento
de ensino, baseado em um laudo pericial. Observa-se ainda que na maioria
das diversas reivindicações não se pensa na “insalubridade”, mas,
exclusivamente no “adicional” e em uma futura “aposentadoria especial”.
O
resultado é que a NR-15 vai perdendo a sua eficácia e é possível que a sua
revisão esteja relacionada não apenas à defasagem dos limites de tolerância mas
também à multiplicação de jurisprudência que concede legitimidade do adicional
a situações que não estão previstas na NR-15, esvaziando a sua força legal.
Será
que a NR-15 vai recuperar sua eficácia como referência legal na Justiça do
Trabalho? Será que entramos na era da “banalização da insalubridade”?
INSALUBRIDADE: CONCEITOS
BÁSICOS
Observamos
que o trabalho, na sua definição básica, indica que é a medida do esforço feito
pelos seres humanos e que a insalubridade é definida como a medida da hostilidade
do ambiente de trabalho a quem o executa. Entretanto, nenhum esforço é feito
sem dispêndio de energia e desgaste, e assim, praticamente qualquer trabalho
vai encerrar algum tipo de hostilidade ou “insalubridade”. Entretanto, essa
“hostilidade” pode ser muito subjetiva. Alguém trabalhando em algo “pesado”
(digamos, na agricultura) pode considerar esse trabalho menos hostil do que alguém que executa um trabalho supostamente “leve” (um escritório) mas
pressionado por metas impossíveis de dar conta. Ou seja, são necessários
parâmetros mais consistentes e isso foi introduzido em segurança e saúde no
trabalho através das definições de limites de tolerância e tempo de exposição
aos diversos agentes de risco presentes nos ambientes de trabalho. Mas mesmo
assim, a questão ainda é discutível, visto que os parâmetros muitas vezes são
determinados por instituições a serviço das próprias empresas.
Pode-se
considerar, em um sentido amplo, que qualquer trabalho que seja prejudicial à
saúde, causando doença, é passível de ser denominada atividade insalubre.
Entretanto, é de se indagar: toda atividade prejudicial à saúde é definida na
legislação como insalubre?
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE: HISTÓRICO
O
adicional de insalubridade foi criado no Brasil no ano de 1936,
pela Lei 185 de 14 de janeiro e tinha por princípio ajudar os trabalhadores na
compra de comida. A justificativa era de que pessoas bem alimentadas
seriam mais resistentes às doenças.
A
ideia já havia sido refutada na Inglaterra e Estados Unidos nos anos de 1760 e
1830, mas aqui ela evoluiu através de sucessivos dispositivos legais. São mais
de 75 anos de pagamento do adicional de insalubridade consolidando-se na
Constituição de 1988.
Ou
seja, o Brasil optou pela compra da saúde do trabalhador. O trabalho em
condições perigosas também foi legitimado pela criação do adicional de
periculosidade, no valor correspondente a 30% (trinta por cento) do salário do
trabalhador, através da Lei n. 2.573, e isso em 15 de agosto de 1955.
A
Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960)
expandiu o caráter de monetização do risco do trabalho no Brasil com a
instituição da aposentadoria especial para os trabalhadores que trabalhassem 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos em serviços penosos, insalubres
ou perigosos.
Constata-se,
portanto, de acordo com o que se vê na legislação que há historicamente um
incentivo das atividades de risco, ou seja, estimula-se o trabalho em condições
de risco com o aumento da remuneração (adicionais) e a concessão precoce da
aposentadoria. Consolidou-se no Brasil a “cultura da insalubridade”.
O
aspecto mais problemático é que com o adicional estabelece-se um contrato
trabalhista de compra e venda da saúde. O comprador reconhece que não tem
controle dos riscos ambientais existentes nos locais de trabalho e se torna
responsável pelas agravos à saúde do trabalhador. E o vendedor (trabalhador)
aceita ir adoecendo ao longo do tempo em troca de uma migalha a mais no seu
salário.
Finalmente,
pergunta-se se o empresário pagar o adicional, ele pode deixar o ambiente de
trabalho insalubre? E os trabalhadores realmente expostos a situações de
grave insalubridade vão se aposentar em boas condições de saúde ou acabam
morrendo antes da aposentadoria?.
Observe-se
que para alguns sindicatos de trabalhadores, “Insalubridade não é
salário. Tem que ser extinta, porque é prejudicial à saúde e não um benefício
como se pensa”, enfatiza o presidente do Sindimetal. Já o presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos, Mauro César Pereira, aponta a insalubridade como um
atentado à saúde do trabalhador. “Não é um benefício. É um modo de
compensar os riscos de se trabalhar em ambiente insalubre”.
A
NR-15
Na
NR-15 o adicional de insalubridade deveria ter um caráter de ônus temporário ao
empregador pela verificação de condições insalubres que deveriam ser
neutralizadas dentro de um determinado prazo. Mas não é o que ocorre, na
prática. As empresas não conseguem implantar tecnologia de redução de riscos e
os trabalhadores querem o adicional de qualquer maneira.
Na
pasta da NR-15, do site NRFACIL (www.NRfacil.com.br), encontramos
no Remissivo a proposta para uma nova redação, onde se mantem as mesmas ideias
relativamente à monetização da saúde do trabalhador, visto que se observa que
persistem os mesmos adicionais (veja o item 15.4.2):
Entretanto,
na prática, as empresas, em razão da necessidade de grandes investimentos em
tecnologias que reduzam e/ou eliminem as condições de riscos, preferem
eternizar o pagamento do adicional de risco em detrimento da segurança, higiene
e saúde do trabalhador. Ou seja, na prática, o item relacionado à eliminação da
insalubridade continua praticamente como uma obrigação figurativa (veja uma
parte do texto e acesse-o de forma completa no site):
O
QUE DIZ O PPRA
A
questão da insalubridade deveria ser, em primeiro lugar, analisada sob a
perspectiva da NR-9 (PPRA). Abrindo a pasta da NR, encontramos no Remissivo um
dos itens mais importantes da legislação que deveria ser avaliado por qualquer
instância judicial, antes de se pensar em insalubridade (O Desenvolvimento
do PPRA). Observe que a NR-9 enfatiza uma cadeia completa de tratamento do
risco, sem qualquer consideração sobre insalubridade.
A CULTURA DA GRATIFICAÇÃO
Somos
o país da gratificação, uma cultura que medrou num ambiente de baixos salários,
exploração e más condições de trabalho, além do assistencialismo do Estado, e
assim, todo mundo busca ganhar o adicional com qualquer justificativa,
principalmente através de norma legal, imposta pelo Estado. Criam-se
adicionais, gratificações e penduricalhos salariais, numa cultura típica de
compensação da precarização.
Provavelmente
é por essa razão que a própria Justiça do Trabalho tenta compensar essa
precariedade inerente ao Trabalho, criando jurisprudência para uma infinidade
de situações que não estão contempladas na NR-15, e assim distribuindo a “justa
insalubridade” “para todos”. E quem não ganha se acha discriminado,
como se a insalubridade fosse um patamar de “excelência salarial”. E muitos
juízes acabam se achando de fato “agentes de transformação social”.
Entretanto,
essa “cascata” de jurisprudência vai criando, na verdade, uma grande
insegurança técnica entre os profissionais de SST ao lado da progressiva
desmoralização da NR-15 que não se torna mais a referência confiável no
assunto. O resultado é um maior custo, enfraquecimento do SESMT e a sensação
generalizada de que insalubridade é uma “gratificação”. Além disso, decisões
judiciais sobre insalubridade são conflitivas entre si, causando mais confusão.
Para cada situação, um Juiz aqui entende que há insalubridade, outro acha que
não, e o TST acha uma coisa ou outra.
Ao
chegar no serviço público, a questão da insalubridade aumentou a confusão,
visto que a própria Administração pública determina o pagamento de percentuais
fora dos critérios da própria NR-15. O problema acabou entrando na
legislação dos Estados e Municípios, cada um legislando a seu modo. O
adicional de insalubridade tornou-se até mesmo bandeira política de
candidatos a cargos eletivos.
UMA CRISE DE JURISPRUDÊNCIA?
Verifica-se
que os dispositivos regulamentados pelo Ministério do Trabalho estão sendo cada
vez mais ignorados na Justiça, que decide de acordo com a interpretação de um
Juiz, o que é ou não insalubre. De fato, o Juiz não está adstrito a um laudo
pericial para decidir, mas é necessário coerência com um ordenamento jurídico
padrão, que parece obsoleto à maioria das cortes. O que se discute é o
progressivo distanciamento da referência legal até mesmo pela maioria dos
técnicos, comprometendo assim a confiabilidade do seu trabalho. O enquadramento
legal permite uma abordagem mais técnica e leva em consideração não apenas um
agente nocivo mas o tipo de atividade desenvolvida pelo empregado no curso
de sua jornada de trabalho, observados os limites de tolerância, as taxas de
metabolismo e respectivos tempos de exposição.
Até
há pouco tempo, o fato de atividade do reclamante não estar incluída entre
aquelas previstas como insalubres no quadro elaborado pelo Ministério do
Trabalho desobrigaria o empregador ao pagamento do adicional, por força do
disposto no art. 195, da CLT, mesmo quando constatada pela perícia a existência
de agente prejudicial no ambiente de trabalho do obreiro. Mas não é o que está
ocorrendo com a multiplicação de jurisprudência concedendo o adicional a
trabalhadores que exercem atividades não previstas na NR-15.
O
problema da insalubridade foi ficando ainda mais confuso após a Constituição de
1988, quando se buscou definir qual o parâmetro para calcular o adicional e
isto acabou sendo motivo de uma polêmica jurídica, que envolveu o TST e o STF:
afinal, é o salário mínimo ou é o salário básico? acabou que o salário mínimo
continuará sendo o referencial até que uma legislação específica seja
desenvolvida, mesmo que isso seja inconstitucional. Ou seja, existe
de fato um conflito, uma crise. Além disso, o Congresso ainda não se preocupou
para criar uma legislação específica para o trabalho, determinada na própria
Constituição, o que também alimenta os conflitos. Outra polêmica: havendo
insalubridade e periculosidade simultâneas, qual o adicional que o trabalhador
deve escolher? ou seja, vai-se aumentando a complexidade do acessório e
desprezando-se o essencial.
PERÍCIAS
De qualquer forma, mesmo diante desse quadro
preocupante, reveja o que deve ser observado em uma perícia para caracterização
de insalubridade.
Na perícia, o perito judicial verificará, de forma
técnica, em consonância à Norma Regulamentadora nº 15 e anexos:
a) as condições de trabalho depreendidas pelo
Reclamante;
b) o local em que o Reclamante desempenhava suas
funções;
c) o tempo de exposição ao eventual agente
insalubre;
d) e o fornecimento, pela Reclamada, e a utilização, pelo Reclamante, de EPIs (Norma Regulamentadora nº 6), que poderiam diminuir ou suprimir a exposição ao agente nocivo à saúde.
Por derradeiro, o perito judicial apontará se o adicional de insalubridade é ou não devido. Caso devido indicará em laudo pericial o grau de exposição e o adicional incidente (10%, 20% ou 40%).
d) e o fornecimento, pela Reclamada, e a utilização, pelo Reclamante, de EPIs (Norma Regulamentadora nº 6), que poderiam diminuir ou suprimir a exposição ao agente nocivo à saúde.
Por derradeiro, o perito judicial apontará se o adicional de insalubridade é ou não devido. Caso devido indicará em laudo pericial o grau de exposição e o adicional incidente (10%, 20% ou 40%).
QUEM
PAGA O PREJUÍZO
Quem
paga o prejuízo é o país inteiro, são todos os contribuintes.
O
engano da insalubridade tem elevado as contas do INSS, segurador e responsável
pelo pagamento das aposentadorias especiais. Não é à toa que as Instruções
Normativas que disciplinam a concessão desse “benefício” ficaram rígidas nos
últimos anos, a ponto das empresas mudarem os critérios de avaliação dos riscos
ambientais, área tradicionalmente regulamentada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego.
Estatísticas
do INSS revelam que, em média, entre 2005 e 2009, foram registradas cerca de
24.700 ocorrências relacionadas com doenças ocupacionais e mais de 120 mil
trabalhadores foram afastados dos locais de trabalho, com a saúde comprometida.
Considerando que esses números refletem apenas o universo de trabalhadores
formais, pode se imaginar que a população realmente atingida por doenças
ocupacionais é bem maior, entre três e quatro vezes o número oficial.
Está
em curso no Congresso Nacional um projeto de lei que majora os adicionais de
insalubridade, alterando a base de cálculo para o salário base do trabalhador
ou da categoria. Isso deve causar grande impacto na folha de pagamentos das
empresas.
Por
outro lado, algumas decisões judiciais recentes têm tratado dessa questão da
monetarização da saúde, exigindo medidas de controle dos riscos ambientais ao
invés do pagamento do adicional de insalubridade.
Concluindo,
três quartos de século foram dedicados ao pagamento do famigerado adicional de
insalubridade, ou melhor dizendo, na compra da saúde do trabalhador. Para
aqueles que defendem a prevenção, de um modo geral, o adicional de
insalubridade é um atestado de incompetência profissional e um grande
constrangimento institucional.
ALTERNATIVA
O
aspecto mais salientado e que provavelmente seria mais benéfico para o
trabalhador que labora em condições de risco seria a redução da jornada de
trabalho e na vedação da prorrogação de jornada. Comenta-se que “a
redução da jornada é a saída ética para enfrentar a questão.
Em vez de reparar com dinheiro a perda da saúde, deve-se compensar o desgaste com o maior período de descanso, transformando o adicional monetário em repouso adicional.
A menor exposição diária, combinado com um período de repouso mais dilatado, permite ao organismo humano recompor-se da agressão, mantendo-se a higidez.
Essa alternativa harmoniza as disposições constitucionais de valorização do trabalho, colocando o trabalhador em prioridade com relação ao interesse econômico”.
No mesmo sentido, José Luiz Ferreira Prunes comenta que “a legislação entendeu em estabelecer um adicional salarial, para compensar a falta de salubridade de alguns serviços.
Optou pela compensação monetária, quando deveria escolher a menor exposição do operário aos agentes nefastos.
Melhor teria sido, para a saúde do trabalhador, que os horários fossem reduzidos em 10%, 20% ou 40% da jornada de trabalho”.
Em vez de reparar com dinheiro a perda da saúde, deve-se compensar o desgaste com o maior período de descanso, transformando o adicional monetário em repouso adicional.
A menor exposição diária, combinado com um período de repouso mais dilatado, permite ao organismo humano recompor-se da agressão, mantendo-se a higidez.
Essa alternativa harmoniza as disposições constitucionais de valorização do trabalho, colocando o trabalhador em prioridade com relação ao interesse econômico”.
No mesmo sentido, José Luiz Ferreira Prunes comenta que “a legislação entendeu em estabelecer um adicional salarial, para compensar a falta de salubridade de alguns serviços.
Optou pela compensação monetária, quando deveria escolher a menor exposição do operário aos agentes nefastos.
Melhor teria sido, para a saúde do trabalhador, que os horários fossem reduzidos em 10%, 20% ou 40% da jornada de trabalho”.